Damos início hoje à nossa série de quatro textos dando maiores detalhes sobre cada uma das séries das quartas-de-final da Euroliga, temporada 2020-21. Além disso, para o amigo leitor que está apenas começando a acompanhar o basquete europeu, incluímos também alguns detalhes sobre os playoffs em si, para ajudá-lo a entender ainda mais este evento tão grandioso.
Entre os dias 21 de abril e, se preciso for, 4 de maio, os oito primeiros colocados da temporada regular se enfrentarão em séries melhor de cinco jogos, para definir os quatro times que avançarão para o Final Four. No texto de hoje, falaremos sobre o confronto da quarta-de-final A, entre o Barcelona (ESP), primeiro colocado na temporada regular, e o Zenit São Petersburgo (RUS), o oitavo.
Detalhes sobre os playoffs
Os cruzamentos das quartas-de-final foram entre os times de melhor campanha contra os de pior (primeiro colocado contra oitavo, segundo contra sétimo e assim por diante). Nestas séries, os dois primeiros jogos terão mando de quadra do time melhor colocado, enquanto o terceiro passa para o ginásio do time pior colocado. Se for necessários, o quarto jogo permanece na casa do time pior colocado, enquanto um eventual quinto voltaria para a casa do melhor colocado.
O tradicional Final Four, o quadrangular final da competição, passa para eliminação em jogo único. Os cruzamentos das semifinais serão entre os vencedores da QF A (Barcelona e Zenit) contra o da QF B (Olimpia e Bayern) de um lado e o vencedor da QF C (Efes e Real Madrid) contra o da QF D (CSKA e Fenerbahçe) do outro. Os vencedores disputam a grande final, enquanto os perdedores disputam o terceiro lugar, no mesmo dia.
O Final Four desta temporada acontece nos dias 28 e 30 de maio, na cidade de Colônia, na Alemanha. É a mesma cidade que teria recebido o evento na temporada passada, não tivesse ela sido cancelada. O ginásio é a Lanxess Arena, que tem capacidade para 18 mil pessoas. Porém, devido às óbvias restrições por causa da pandemia da COVID-19, não se sabe se haverá público ou não nos quatro jogos. As autoridades da liga ainda não se decidiram, mas eles dizem que o evento poderia ter, no máximo, 25% da capacidade do ginásio preenchida, como também poderia não ter público algum.
QF A – 1º Barcelona (ESP) x 8º Zenit São Petersburgo (RUS)
Em quase todos os aspectos extra-quadra, estamos falando de um verdadeiro “Davi e Golias” aqui. De um lado, um bicampeão europeu, campeão mundial e o maior campeão da ACB, além de dono de um dos maiores orçamentos da Euroliga atual. Do outro, um clube que adotou o basquete há apenas sete anos e que acaba de terminar a primeira temporada completa da Euroliga em sua história. Porém, dentro de quadra, a disparidade é, sim, grande, mas não é assim tão gigantesca.
Como foi a temporada do Barcelona: O Barça foi o melhor time de toda a Europa ao longo desta temporada. No ano passado, o time catalão já tinha o maior orçamento dentre os times da Euroliga, com € 41,5 milhões, um dos únicos três times que chegou à marca dos quarenta milhões de euros. Mesmo tendo reduzido esse orçamento para esta temporada entre 10% e 15%, reduzindo o tamanho do elenco e ainda dispensando alguns “medalhões”, o clube não deixou de fazer contratações inteligentes e conseguiu revolucionar a equipe com, principalmente, duas contratações pontuais.
Com problemas na armação no ano passado, quando lesões forçaram o então treinador Svetislav Pešić a improvisar vários jogadores na função, o clube foi atrás de um dos melhores do continente, o grego Nick Calathes. O atleta foi um dos grandes destaques do time, sendo seu grande maestro. Ele terminou a temporada com o segundo maior número total de assistências (237) e a maior média de assistências por 40 minutos (11,2). Mas a contratação que realmente revolucionou o time foi a do treinador Šarūnas Jasikevičius. Quando atleta, ele foi um dos maiores jogadores europeus da história e em sua primeira experiência como treinador, comandando o seu time do coração, o Žalgiris Kaunas, por cinco anos, ele chamou muita atenção. Além de ganhar o campeonato nacional em todas as temporadas, ele levou o time lituano, com um elenco bastante modesto, de volta ao Final Four da Euroliga, na temporada 2017-18 e de novo às quartas-de-final, no ano seguinte.
Tudo se encaixou e o Barça deste ano foi uma sensação, verdadeiramente “sobrando” em relação à maioria dos times. Até mesmo em relação ao seu principal concorrente, o atual campeão CSKA, o qual derrotou em ambos os jogos disputados, com direito a uma atuação bastante dominante na partida de Moscou. Somente uma vez no na temporada o Barça sofreu derrotas consecutivas, quando perdeu três seguidas, entre a 15ª e a 17ª rodadas. Em três momentos diferentes da temporada a equipe conseguiu emplacar uma série de pelo menos cinco vitórias. Com somente um destaque individual de saltar aos olhos, o Barça joga de maneira muito coletiva e voluntariosa, alé de, é claro, muito física. Tudo isso culminou na melhor campanha da competição, com 24 vitórias e dez derrotas.
Como o time está em sua liga doméstica: Na ACB deste ano o Barcelona tem sido tão dominante quanto na Euroliga, tendo vencido 26 dos 30 jogos disputados até aqui (87% de aproveitamento). Porém, a grande diferença é que dentro do seu terreiro o Barça está tendo que lidar com um adversário mais dominante ainda, que é o Real Madrid. O time da capital está com a inacreditável campanha de 29 vitórias em 30 jogos. Pelo menos o Barça pode se vangloriar de ter sido o time que provocou essa única derrota dos “Merengues”, apesar de eles terem devolvido essa derrota no jogo do último final de semana.
Destaque(s) do time: Nikola Mirotić. Para bom entendedor, a gente poderia parar a análise aqui mesmo. Favoritíssimo ao prêmio de MVP da temporada regular, o croata-espanhol foi talvez o maior acerto do Barcelona nos últimos anos. Revelado pelo arquirrival Real Madrid, Niko foi repatriado após cinco temporadas na NBA, que nem foram tão ruins quanto alguns podem pensar. Ele retornou à Espanha para ser o jogador mais bem pago da Europa: ele teria assinado um contrato de quatro anos, no valor total que poderia chegar aos € 26 milhões. Niko vem fazendo valer o investimento e nesta temporada teve a maior média de PIR (Performance Index Rating) por jogo de toda a Euroliga, com 21,6 por jogo. Ele também foi o cestinha (16,9 pontos por jogo) e o reboteiro (6,3 rebotes por jogo) do time. A cereja do bolo, para a surpresa de alguns, é que Niko também teve o melhor Defensive Rating da Euroliga, se considerados jogadores com pelo menos 20 minutos jogados por jogo, com 99,6!
Fator de desequilíbrio: Como demos a entender até aqui, o Barça é um time “redondinho”. Além de Mirotić, vários jogadores também podem desequilibrar, como os alas-armadores Cory Higgins e Kyle Kuric. Este último, vindo do banco, teve o melhor aproveitamento nos arremessos de três pontos de toda a Euroliga, com incríveis 58,6%. Há uma série de “carregadores de piano” dentro deste time que sempre terão a possibilidade de fazer a diferença, como Álex Abrines e Brandon Davies. Mas um nome que poderá ser uma surpresa, caso entre em forma, é o veterano Pau Gasol. Foram dois anos que ele ficou sem jogar, ligando com lesões, e não se espera que ele seja um dos destaques do time, já com seus 40 anos. Mas é impossível dizer que ele será um zero à esquerda e que seu talento e experiência não poderão ser decisivos em alguns momentos destes playoffs.
Ponto forte e ponto fraco da equipe: Sem a menor dúvida a defesa é a grande força do Barcelona. Sob o comando de “Šaras”, o time se transformou em uma das defesas mais assustadoras da história recente do basquete europeu. A equipe passou de sétima melhor defesa na temporada passada (cancelada após 28 rodadas), com uma média de 78,3 pontos sofridos por jogo, para a absoluta melhor neste ano, sofrendo uma média de 73,6 pontos por jogo. Também, o clube teve o melhor Defensive Rating da liga, com 105,5, e os times que enfrentaram o Barça ficaram com o pior aproveitamento dos arremessos de quadra combinado, de 44%, e o pior True Shooting% combinado, de 58%.
Achar pontos fracos neste Barcelona de Jasikevičius é uma tarefa bastante complicada, mas nós encontramos. Curiosamente, um time que demonstra tanto foco e dedicação na defesa, ainda não aprendeu a cuidar bem da bola no ataque. Surpreendentemente, o Barcelona foi o segundo time que mais cometeu desperdícios de posse de bola (“turnovers”), perdendo em média 14,6 posses por jogo. Sim, você leu certo: o Barcelona (17º no quesito) cometeu mais “turnovers” do que o lanterna Khimki (12º). É inegável que esse defeito pode custar caro, especialmente no Final Four, que tem eliminação em jogo único.
Como foi a temporada do Zenit: O caçula da competição participou pela primeira vez da mesma no ano passado. Porém, o clube foi tão mal nos 28 jogos que fez antes do cancelamento da temporada (venceu apenas oito), que poucos acreditavam no time para esta temporada. Aliás, o únco motivo do Zenit ter disputado esta temporada novamente foi o congelamento dos clubes para esta temporada, em função do cancelamento.
Mas, como dissemos em nosso guia da temporada, o Zenit era mais uma incógnita para este ano do que qualquer coisa. Sim, a campanha de 2020 foi horrível, mas o processo de mudança começou ainda lá, com a contratação do renomado treinador Xavi Pascual, que venceu a Euroliga com o Barcelona. Após ir atrás de alguns bons jogadores, que vinham sendo pouco aproveitados em seus clubes, como Kevin Pangos e Artūras Gudaitis, além de vários outros bons “role players”, como Billy Baron, K.C. Rivers e Alex Poythress, o clube russo se revolucionou. Bastava saber se as peças se encaixariam, nas mãos de Pascual.
E elas se encaixaram! Após vencer seus dois primeiros jogos (um deles contra o próprio Barcelona), o Zenit precisou ficar várias rodadas inativo, por ter passado por um surto de COVID-19. Mas, em seu retorno, o clube começou a mostrar que realmente deveria ser levado a sério. À medida que repunha os jogos adiados, o clube foi acumulando vitórias e subindo degrau por degrau da tabela. Quando menos se esperava, a equipe conseguiu alcançar o “G4” já na primeira rodada do segundo turno. A reta final não foi das melhores e, entre a 22ª e a 30ª rodada, o Zenit perdeu sete jogos em nove e chegou a estar fora da zona de classificação. Mas, em um sprint final, a equipe conseguiu vencer os jogos que devia e garantiu a vaga no último jogo remarcado que tinha a fazer, já após a última rodada regular.
Como o time está em sua liga doméstica: Na Liga VTB as coisas estão um pouco mais tranqüilas para o Zenit, que lidera a competição atualmente, com 19 vitórias e apenas quatro derrotas. Inclusive, a campanha doméstica do Zenit inclui duas vitórias em dois jogos contra o todo-poderoso CSKA Moscou.
Destaque(s) do time: Assim como o Barça, o Zenit tem uma maneira muito coletiva de jogar, com vários jogadores se destacando, ao invés de um, individualmente. Mas há razões para crer que o armador canadense Kevin Pangos foi o “MVP do time”. Após lesões terem arruinado seu 2020 e encerrado sua discreta passagem pelo Barcelona, o jogador fez a melhor temporada de sua carreira. Reserva e pouco aproveitado nas duas temporadas na Catalunha, o armador foi o “general” desta equipe do Zenit no ano. Ele liderou o time nas médias de pontos (13,1 por jogo), assistências (6,6 por jogo) e PIR (14,3 por jogo). Ele foi o terceiro jogador com mais assistências na temporada da Euroliga.
Fator de desequilíbrio: Semelhantemente ao Barcelona, o Zenit também dispõe de vários coadjuvantes que podem desequilibrar, como o ala polonês Mateusz Ponitka, o ala-pivô americano Will Thomas e o pivô lituano Artūras Gudaitis. A equipe é sólida e a série com certeza será definida pelos homens grandes de cada time. Mas existe um ponto em que o Zenit terá clara vantagem nessa série e ele não está dentro de quadra. As autoridades russas vêm permitindo, há alguns meses, a presença parcial de público nos eventos esportivos. Nos últimos quatro jogos em casa que realizou na temporada, o Zenit recebeu pelo menos três mil torcedores em cada um deles, com a partida contra o CSKA, da 32ª rodada, recebendo mais de quatro mil (o ginásio tem capacidade para pouco mais de sete mil espectadores). Caso consiga “roubar” uma vitória em um dos dois primeiros jogos, em Barcelona, o clube teria a oportunidade de jogar sua classificação com a ajuda de seu torcedor.
Ponto forte e ponto fraco da equipe: Assim como o Barça, o cartão de visitas do Zenit é a defesa eficiente. Se de um lado teremos a melhor defesa da competição, no Barça, do outro teremos a segunda melhor. O Zenit sofreu uma média de apenas 74,9 pontos por jogo na Euroliga. Será interessante ver como eles poderão tirar proveito do fato de o Barcelona cometer tantos “turnovers”. Outras qualidade importantes são o bom aproveitamento dos arremessos e o bom cuidado com a bola. O Zenit empatou com três outros clubes com o melhor True Shooting% da Euoliga, com 62%, enquanto foi o quarto time que menos cometeu “turnovers” na temporada.
Porém, o ataque dos russos deixa um pouco a desejar. Não a ponto de poder ser chamado de ruim, mas o ataque ficou em um modesto 11º lugar em pontos por jogo, com uma média de 78,5 pontos marcados por jogo. E uma outra coisa que me veio à mente, que talvez possa vir a ser um calcanhar de Aquiles para a equipe será o fato de Jasikevičius, técnico do Barça, conhecer muito bem Pangos. O armador jogou por duas temporadas no Žalgiris e era o titular no time de “Šaras”. Assim como é no Zenit hoje, Pangos era talvez o melhor jogador naquele Žalgiris que alcançou o Final Four em 2018. É possível que Jasikevičius conheça o jogo do canadense como a palma de sua mão e saiba as melhores formas de anulá-lo durante esta série.
Palpites de nossa equipe
Rafael Bittelbrunn: Barça 3 a 0. A melhor campanha da temporada regular também possui uma das melhores defesas, incluindo contra arremessos do perímetro, uma força do Zenit. Além disso, possui um dos candidatos a MVP, Mirotić, que pode decidir qualquer partida.
Vinícius Matosinhos: O meu palpite vai em 3 a 1 Barcelona. Fica bem nítida a diferença no nível individual e coletivo de ambas as equipes. Mas, por causa da presença de torcida na Rússia, apostarei em uma vitória de honra do Zenit.
Artur José Freitas: Barcelona 3 a 0. O time foi a melhor equipa durante a temporada regular por uma boa margem, apesar de achar que há probabilidade do Zenit conseguir fazer uma gracinha e ganhar um jogo. Mas o Barça tem demasiado talento e química que não me passa pela cabeça eles não chegarem ao Final Four.
José Andrade: Barça 3 a 0. A melhor defesa e uma das equipas mais bem organizadas, mais coesas e com um dos candidatos a MVP entre vários dos melhores jogadores da competição. Sem dúvida que o Zenit vai complicar, vai criar problemas, mas vai ser do Barça.
Thiéres Rabelo: Seria a maior surpresa de todas se o Barcelona não vencer essa série. Longe de ser fácil, pois o próprio Zenit já mostrou que consegue derrubar o Barça. Talvez a presença da torcida motive os russos a conseguir uma vitória. Muito dificilmente, duas. Mas realmente não consigo ver a defesa do Barça tendo muitos problemas para conter o ataque do Zenit.