Em qualquer lugar do planeta onde o basquete é jogado, a data de hoje, dia 26 de janeiro, será para sempre um sinônimo de tristeza. Acredito que não haja nenhum fã de basquete no mundo que não tenha ficado devastado com a notícia da morte de Kobe Bryant, um dos maiores jogadores da história da modalidade, e de sua filha de 13 anos, Gianna (além de outras sete pessoas), há exatamente um ano. Para homenagear a memória dessa lenda, decidimos escrever este texto contando como foi a vida dessa lenda na Europa, onde ele próprio afirmou que aprendeu os fundamentos do esporte que dominou com tanto talento durante duas décadas.
A passagem de seu pai pelo basquete italiano
Tudo começa no ano de 1983, quando Kobe estava prestes a completar seis anos de idade. Seu pai, Joe Bryant, havia acabado de encerrar sua carreira de oito anos na NBA e acertou sua transferência para o basquete italiano, aos 29 anos de idade. Possivelmente, ele seguiu os passos de outro estadunidense que jogava no país, o armador Mike D’Antoni, que se transferiu para a Olimpia Milão em 1977 e jogou ali por 13 temporadas e se tornou treinador do clube milanês imediatamente após sua aposentadoria, em 1990.
Joe Bryant jogou na liga italiana durante oito temporadas (de 1983-84 a 1990-91), defendendo quatro clubes diferentes. Nas seis primeiras ele disputou a segunda divisão, com as camisas da Sebastiani Rieti, da Reggio Calabria e da Olimpia Pistoia. Ele se transferiu para a Reggio Emilia, clube da Serie A, na temporada 1989-90 após se destacar muito nos anos em que esteve na segunda divisão. Nas duas temporadas que passou com o clube, Joe Bryant foi o principal jogador da equipe, mas não conseguiu evitar o rebaixamento do clube na temporada 1990-91. Ele se transferiria para o clube francês Mulhouse em 1991, mas não ficou por muito tempo no clube e encerrou a carreira naquele ano mesmo. A família Bryant retornou para a Filadélfia quando Kobe tinha 13 anos.
Como a Itália moldou o jogo de Kobe
Foi na Itália em que Kobe realmente aprendeu os fundamentos do basquete e onde começou a praticar o esporte de maneira séria. É claro que as influências da família e da cultura americana também foram elementos presentes em sua formação como atleta. Além de ver o pai dar shows nas quadras por onde jogava (Joe terminou sua passagem na Itália com médias de 29,7 pontos e 6,4 rebotes por jogo), ele também era sobrinho de um ex-jogador da NBA, John Cox. E ao fim de cada temporada na Europa, a família voltava para os EUA, onde ele também jogava ligas de verão. Mas, como ele próprio diz, foi por lá que ele aprendeu os pilares do esporte.
“Crescer no exterior me deu uma vantagem incrível porque aprendi os fundamentos. Não como ser habilidoso, mas como se mover sem a bola e usar bloqueios, usar as duas mãos, passar a bola de maneira eficaz. Só jogávamos uma partida por semana se, tivéssemos sorte”, explicou o jogador. “Sem essas coisas, eu nunca teria me tornado ‘Kobe Bryant’”, completou.
De maneira curiosa, Kobe contou que, na infância, a sua principal referência era a Serie A e não a NBA. Seu tio enviava para ele fitas com jogos da NBA gravados, para ele poder estudar. Mas a Legabasket estava sempre ali. “Quando eu era pequeno, meu sonho era jogar na Serie A. A NBA era um sonho longínquo”, disse.
Crescer dentro do basquete italiano na década de 1980 significa ter sido influenciado, invariavelmente, por um brasileiro: Oscar Schmidt. Ele foi um dos melhores jogadores do país naquela década e Kobe falou sobre o quanto o “Mão Santa” o influenciou. “Eu cresci assistindo aos jogos de Oscar Schmidt e ele se tornou um ídolo meu. Era um jogador excelente. Conversei com ele em Londres (durante os Jogos Olímpicos de 2012). Tive a chance de falar um pouco com ele. Eu realmente gostava de vê-lo jogar quando eu era criança”, disse.
A paixão pelo país e o italiano fluente
Kobe nunca escondeu e nunca deixou morrer a sua paixão pela Itália. “Na Itália, eu aprendi a ter paixão pela vida, pela família e pelos filhos. Por isso, eu a levo para sempre em meu coração”, afirmou. Constantemente ele fazia visitas a locais e amigos que fez no país ao longo da infância, nas quatro cidades onde morou durante a carreira do pai: Rieti (Lazio), Reggio Calabria (Calabria), Pistoia (Toscana) e Reggio Emilia (Emilia-Romagna).
Quando o pai jogava em Pistoia, a família morou em um pequeno vilarejo nos arredores da cidade, chamado Cireglio, com cerca de 750 habitantes, apenas. Ali, até hoje, existe uma das quadras nas quais ele deu seus primeiros passos. Em 2013, o jogador fez uma visita supresa a uma amiga de infância que mora ali (foto abaixo). A quadrinha onde ele jogava passará a levar o nome de Kobe e será construído ali um memorial de basquete, onde a tabela usada por Kobe na infância ficará exposta. A inauguração está prevista para agosto deste ano, perto do dia 23, data do aniversário dele.
Outro legado que Kobe levava consigo com muito orgulho era a língua. Em 2016, ele foi ao país e deu esta entrevista à emissora de Radio Deejay, na qual disse que ainda praticava o idioma com suas duas irmãs, Sharia e Shaya. Um dos apresentadores nota que ele carrega um leve sotaque espanhol, o qual Kobe atribui à sua esposa, Vanessa. Mas, para além de pequenas lacunas de vocabulário, por não ter tido tantas oportunidades de praticar depois de voltar para os EUA, ele fala o italiano perfeitamente.
Outro momento em que se vê o quanto ele se sentia confortável com o idioma foi quando ele visitou Reggio Emilia, também em 2016, e concedeu entrevista em uma pequena praça local. No vídeo, ele fala sobre abrir escolas de basquete no país e, quando perguntado sobre qual era sua lembrança favorita de quando morou na cidade, ele conta de quando participou de um espetáculo de dança com suas irmãs na escola, aos 12 anos de idade.
Outro episódio engraçado da relação de Kobe com a língua italiana foi relatado por ele no talk show “Conan” da emissora TBS, em 2018. Ele conta que usava xingamentos em italianos para falar com árbitros, aproveitando que eles não entendiam a língua. Além disso, ele ainda tentava disfarçar, usando um grande sorriso quando os xingava, usando a expressão italiana “vaffanculo”, traduzida como “vai tomar no **”.
A relação com o futebol italiano
Era bem pública, também, a relação de Kobe com o futebol. Mais especificamente, com o Milan, clube pelo qual ele torcia na infância. Em 2013, ele fez uma visita ao centro de treinamentos do clube e deu uma entrevista (vídeo abaixo) na qual declarou seu amor pelo clube rossonero. Mas sua paixão não foi aprendida dentro de casa. “Na nossa casa, era uma bagunça. Meu pai torcia para a Inter de Lothar Matthäus e a minha irmã para a Juventus”, disse ele.
Naquela mesma visita, ele disse: “se fizessem um corte em meu braço esquerdo, eu sangraria rubro-negro. Porém, se fosse o braço direito, o sangue que sairia seria roxo e amarelo, dos Lakers”. O clube não deixou de fazer a sua homenagem a ele no dia de hoje, em sua conta no Twitter.