Nesta sexta-feira (09/10/20) acontece em Atenas, capital da Grécia, um dos maiores clássicos do esporte mundial: Panathinaikos e Olympiacos se enfrentam em partida válida pela segunda rodada da temporada regular da Euroliga. Apelidado de “O Dérbi dos Eternos Inimigos” e também de “A Mãe de Todas as Batalhas”, o clássico é um dos mais importantes do mundo, até por existir em diversos esportes. Mas, no basquete, ele tem uma relevância ainda maior, por conter dois dos maiores clubes do planeta na modalidade.

Um panorama dos confrontos realizados até o presente momento

Em 2014, quando os dois clubes se enfrentariam pela fase de Top 16 daquela edição, eu também escrevi um especial para o site VAVEL Brasil falando sobre o dérbi, no qual, inclusive, fiz uma entrevista com um jornalista grego, que nos explicou muitas coisas sobre a história do clássico e também sobre as ramificações daquele encontro em particular, para aquela temporada. Você pode lê-lo clicando aqui. No presente texto, falarei muito do que já falei nesse artigo, pois a história não mudou, mas tentarei trazer mais alguns detalhes atemporais.

As origens

A história conta que nos anos iniciais de ambos os clubes – o Panathinaikos foi fundado em 1908 e o Olympiacos em 1925 – as duas torcidas eram fortemente caracterizadas por questões socioeconômicas das duas cidades. Atenas, a cidade do Panathinaikos, era caracterizada como o principal centro cultural da Grécia e tinha concentrada ali a alta sociedade grega. Já o Olympiacos nasce na cidade portuária de Pireu, que hoje é parte da região metropolitana de Atenas, com as duas coexistindo quase que homogeneamente. Porém, na primeira metade do século XX, Pireu tinha como característica ser uma cidade onde vivia a classe dos trabalhadores, de classes média ou baixa.

Porém, vale ressaltar que esse era o contexto daquelas primeiras décadas e não necessariamente o que se vê hoje. As disparidades econômicas foram reduzidas consideravelmente e hoje ambas as torcidas são compostas de torcedores de todas as classes. As duas cidades, inclusive, podem ser consideradas hoje como “uma só” na prática.

Apesar de a rivalidade entre os dois clubes existir em todos os esportes em que eles se enfrentam, não há sombra de dúvidas de que a maior versão dela é a do futebol, o esporte mais popular na Grécia. A dupla vem se enfrentando desde a década de 1920 nos campos de futebol e possivelmente sempre teve encontros cheios de tensão, se considerado também o contexto social. No futebol, o Olympiacos é com certeza o time mais vitorioso dentro do país (45 títulos gregos contra 20 dos verdes), mas o Panathinaikos pode se orgulhar de ter feito várias campanhas melhores em competições européias, incluindo um vice-campeonato europeu (na competição equivalente à UEFA Champions League de hoje) em 1971 e outras duas aparições na semifinal. O Olympiacos nunca foi mais longe do que as quartas-de-final.

No basquete, apesar de uma competição nacional pioneira chamada Campeonato Pan-Helênico existir desde 1928, os dois clubes só se encontrariam pela primeira vez em 1947, quando os verdes saíram vitoriosos por 41 a 21. De lá até a presente data, os dois times se encontraram 281 vezes no total de todas as competições, com 158 vitórias para os atenienses e 123 para o Olympiacos. E não é apenas no número de vitórias que o Panathinaikos se sobressai: ao contrário do futebol, os verdes são o clube mais vitorioso do basquete grego, seja dentro do país (39 títulos gregos contra 12 dos vermelhos), como em competições européias (seis títulos europeus contra três). Ambos acumulam um título do mundial de clubes da FIBA cada.

Episódios de violência

Infelizmente, uma das grandes “marcas registradas” do dérbi grego tem sido a violência. O ódio entre as duas torcidas, nascido no futebol, é incontrolável e se expande para todas as modalidades em que os dois clubes competem.

Neste dérbi de 1990 no futebol, a partida se transformou em um campo de guerra em diversos momentos. O jogo disputado em Pireu teve de tudo: o presidente do Olympiacos sentando uns sopapos em um cinegrafista, os jogadores do time da casa batendo no bandeirinha e o goleiro do Panathinaikos sendo acertado por um dos vários objetos atirados pela torcida local no campo, que incluiu um pedaço de tijolo! Para não acharem que estou inventando coisa:

Episódios ainda mais sérios acontecem entre as duas torcidas, fora de campo, em uma triste semelhança com vários fatos ocorridos no Brasil ao longo dos anos. Vários membros de torcidas organizadas de cada time têm o hábito de marcar brigas entre si e isso causou um dos episódios mais estarrecedores dessa rivalidade. Em 2007, os hooligans marcaram uma briga antes de uma partida de vôlei feminino entre os dois clubes e um torcedor do Panathinaikos, Mihalis Filopoulos (22), foi esfaqueado até a morte.

E se engana você que acha que o basquete não tem nada a ver com essa história. Assim como no futebol, a tensão envolve atletas, torcedores e dirigentes quando estas duas camisas estão frente à frente em um evento esportivo. Separei alguns episódios específicos em vídeo, que vão desde brigas entre os atletas dentro de quadra, ameaças de dirigentes a atletas, até torcedores ameaçando os próprios jogadores.

Na semifinal do grego de 2001-02, nos minutos finais do jogo em que o Panathinaikos estava prestes a ser eliminado, uma briga generalizada começou, após uma falta dura sobre o francês Stéphane Risacher.

No terceiro jogo da final do grego de 2012-13, com o Panathinaikos prestes a sagra-se campeão, a torcida do Olympiacos começou a atirar objetos em quadra, incluindo sinalizadores e bombas, fazendo com que os atletas do Panathinaikos tivessem que fugir para o vestiário. O jogo foi cancelado pelos árbitros e os verdes foram declarados vencedores do jogo pelo placar de 20 a 0.

Da mesma forma, em um dérbi de 2015 pelo grego em Atenas, Vassilis Spanoulis, do Olympiacos, fez um gesto de provocação para a torcida de seu ex-clube, levando as mãos aos ouvidos em sinal de “não escuto vocês”. Não demorou muito e durante um pedido de tempo, o banco de reservas dos vermelhos teria sido atacado (digo “teria sido” apenas porque não é possível ver isso no vídeo), fazendo com que Spanoulis e o resto dos atletas fugissem para o vestiário.

Após esse episódio, irritado com a atitude de Spanoulis, o dono do Panathinaikos, Dimitris Giannakopoulos, foi até o vestiário xingar o atleta e ameaçar ele e sua família, como pode ser observado no vídeo abaixo. Giannakopoulos, inclusive, é um dos personagens mais ativos nas confusões entre os dois clubes, tendo ele próprio sido ameaçado quando assistia a um dérbi em Pireu, com um torcedor do Olympiacos ameaçando explodir uma granada se ele não deixasse o local.

E da mesma forma, no jogo cinco da final do grego de 2016-17, em Pireu, com o Panathinaikos vencendo nos segundos finais e prestes a ser campeão, o torcedor local começou a jogar suas bombas e sinalizadores dentro de quadra, interrompendo a partida momentaneamente.

Grandes jogadores do confronto

Os dois personagens mais conhecidos do duelo, em nossa geração, certamente são os armadores Dimitris Diamantidis, do Panathinaikos, e Vassilis Spanoulis, do Olympiacos. Sobre eles, sabe-se já muito. Inclusive, em nosso blog temos um texto especial contando sobre a carreira de Diamantidis e teremos um sobre a de Spanoulis assim que ele se aposentar. Mas excepcionalmente neste texto, vamos falar de alguns personagens importantes do dérbi, que talvez não sejam muito conhecidos do grande público.

Žarko Paspalj

Ambos os clubes começaram a se tornar os gigantes que são hoje na década de 1990, nos anos de glória do basquete grego. O primeiro da dupla a vencer um título da Euroliga foi o Panathinaikos, em 1995-96. Mas, isso, por muito pouco, poderia ter sido diferente. Nas duas temporadas que antecederam esse título dos verdes, o Olympiacos chegou a duas finais consecutivas, havendo eliminado o maior rival na semifinal em ambas!

Na primeira delas, na temporada 1993-94, os vermelhos conseguiram anular o maior jogador grego da história, Nikos Galis, que defendia o Panathinaikos na época e contou com uma partida excepcional do ala-pivô sérvio Žarko Paspalj. Naquela partida, ele ficou em quadra durante todos os 40 minutos e foi o cestinha da partida com 22 pontos, além de pegar sete rebotes, sendo o melhor em quadra. Apesar da derrota na final, para o Joventut Badalona (ESP) do técnico Željko Obradović, Paspalj foi o cestinha do time e foi eleito o MVP daquele Final Four.

Paspalj foi uma das grandes contratações que os novos donos do Olympiacos fizeram no início da década de 1990 (ele chegou ao clube na temporada 1991-92) e logo de cara mostrou serviço. Ele foi o cestinha do campeonato grego já na primeira temporada por lá, com uma média de 33,7 pontos por jogo. Ele ajudou o Olympiacos a vencer seu primeiro grego desde 1978, na temporada 1992-93, iniciando um inédito pentacampeonato nacional para os vermelhos. Nas três temporadas de Paspalj em Pireu, Olympiacos e Panathinaikos se enfrentaram 11 vezes e os vermelhos saíram vencedores em oito deles.

Fragiskos Alvertis

Um dos maiores ídolos da história do Panathinaikos, o ala Fragiskos Alvertis jogou durante toda a carreira com os verdes (de 1990 a 2009). Por ter tido uma longa carreira no clube, que começou aos 16 anos de idade, ele foi capaz de se tornar o líder do clube em como jogos disputados (534) e pontos marcados (4.698). Hoje, inclusive, ele faz parte da diretoria do clube, ao lado de Diamantidis.

Naturalmente, os encontros com o Olympiacos foram rotineiros em seus quase 20 anos no clube. Ele viveu os anos de vacas magras, quando o Olympiacos prevaleceu na década de 1990, mas também os anos de glória na década de 2000, quando o quadro se inverteu. E sua melhor performance no dérbi provavelmente foi uma das que deu início (ou pelo menos confirmou) a recolocação do Panathinaikos como o clube dominante no confronto.

No quinto e último jogo da final do grego de 2000-01, os dois times se enfrentaram em Atenas para decidir quem levava o caneco. Alvertis foi o homem do jogo, acertando cinco cestas de três, e terminando com 23 pontos e três assistências em 26 minutos em quadra. O Panathinaikos venceu por 79 a 63, confirmando o tetracampeonato dos verdes, exatamente quatro anos depois que o Olympiacos havia vencido seu pentacampeonato e seu primeiro título europeu, na temporada 1996-97. Na temporada seguinte, o Panathinaikos venceria o primeiro dos cinco títulos da Euroliga que conquistaria na década subseqüente.

Vitórias memoráveis de cada time

Vitória do Panathinaikos na semifinal da Euroliga de 2009

No Final Four de Berlim, em 2009, os gigantes se encontraram pela terceira vez em uma semifinal da Euroliga. Nas duas oportunidades anteriores, o Olympiacos derrotou e eliminou o rival, mas acabou ficando com o vice-campeonato europeu em ambas. Desta vez, o Panathinaikos de Obradović, que já havia vencido três Euroligas na década, prevaleceu por 84 a 82, em um jogo disputado até o último arremesso. Os verdes seguiriam para vencer seu quinto título Europeu contra o CSKA Moscou. Detalhe: Spanoulis defendia o Panathinaikos nesta época e foi eleito o MVP do Final Four.

Jogo completo:

Últimos três minutos:

Vitória do Olympiacos no jogo quatro da final do grego 2015-16

Como mencionado anteriormente, o Olympiacos também mandou o rival para casa em duas semifinais européias, mas, em ambos os casos, o título não veio. Mas uma vitória dos vermelhos em particular tem um gostinho muito especial. Então o atual campeão, o clube de Pireu tinha a chance de sagrar-se bicampeão grego pela primeira vez em 19 anos. 

Após perder o primeiro jogo em casa, o Olympiacos devolveu a derrota no segundo jogo, em Atenas e abriu vantagem no terceiro, novamente em Pireu. O quarto jogo voltaria para Atenas onde Spanoulis, o maior jogador da história dos vermelhos, teve a última bola do jogo nas mãos, marcado por Diamantidis, o maior ídolo da torcida do Panathinaikos. O detalhe é que essa era a última temporada de Diamantidis, que já havia anunciado sua aposentadoria. Portanto, sua última partida no campeonato grego.

Spanoulis chamou o isolamento, gastou todo o tempo possível e conseguiu acertar um arremesso de três espetacular, “na cara” de Diamantidis, em um dos momentos mais icônicos de sua carreira, silenciando o ginásio OAKA. Imagine como é ruim para um torcedor do Panathinaikos que uma das últimas imagens da carreira de Diamantidis seja o arremesso vitorioso de Spanoulis sobre ele.

Jogo completo:

Melhores momentos:

By Tabela de Ferro

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