Um assunto recorrente envolvendo o astro grego Giánnis Antetokoúnmpo e sua família voltou à tona com todas as forças nas redes sociais neste último fim de semana. A maioria das polêmicas que viralizam nas redes sociais normalmente não merecem atenção ou análise. A exceção é quando a raiz das mesmas é a desinformação. Então, vamos conversar brevemente sobre esta.

Na última sexta-feira (5), o ala-pivô dos Milwaukee Bucks (EUA) fez uma postagem em sua conta de Twitter oficial com uma foto dele e seus três irmãos – Aléxandros, Thanásis e Kóstas – com a camisa da seleção da Grécia. Não é novidade para ninguém, mas os quatro irmãos, filhos de um casal de imigrantes nigerianos – Veronica e Charles – são nascidos e criados em Atenas, mais especificamente no bairro de Sepólia. Eles servem as seleções gregas há anos e, no caso de Giánnis e Kóstas, o fazem desde as categorias de base.

No dia seguinte à postagem de Giánnis, a conta oficial da seleção da Nigéria fez uma brincadeira sobre a foto postada por ele e reascendeu uma antiga discussão nos comentários da mesma: Giánnis e seus irmãos são realmente gregos ou são nigerianos? Eles deveriam representar a seleção grega ou a nigeriana em competições internacionais?

É uma discussão perfeitamente válida e pode ser muito saudável. Mas, como todo assunto polêmico que explode na internet, ele também pode vir carregado de mentiras, falsas concepções, preconceitos e ser extremamente tóxico. Vamos aqui analisar aalguns pontos-chave desse assunto e tentar trazer um pouco de luz sobre eles.

Falso: “A Grécia concedeu a cidadania a Giánnis porque ele iria para a NBA”

A principal mentira espalhada quando o assunto é Giánnis Antetokoúnmpo e sua relação com a Grécia é que ele “só” recebeu sua cidadania grega “porque” estava prestes a ser selecionado no Draft da NBA, no ano de 2013. Vamos a alguns fatos.

Giánnis e sua família são ovacionados no bairro de Sepólia, em Atenas, onde nasceram

Assim como na maioria dos países europeus, as leis de imigração se tornaram bastante duras a partir da década de 1990, quando várias ondas de imigração chegaram ao continente. Na maioria deles, o padrão seguido pela lei é o “Jus sanguinis” e não o “Jus soli”.

  • Jus soli = o direito à cidadania e à nacionalidade daquele país é garantido pelo simples fato de uma pessoa nascer naquele território nacional. Esse é o padrão seguido por quase todos os países do continente americano, incluindo o Brasil;
  • Jus sanguinis = o direito à cidadania e à nacionalidade daquele país é garantido somente pela hereditariedade. Ou seja, mesmo que uma criança nasça naquele território, ela só terá a cidadania garantida se pelo menos um de seus pais já for cidadão daquele país. Do contrário, essa criança precisará passar pelo processo de naturalização de acordo com as regras da legislação local.

Uma boa parte dos países do mundo segue o padrão “Jus sanguinis” e a Grécia é um deles. No caso da legislação grega, para que filhos nascidos na Grécia, mas de pais estrangeiros, possam garantir sua naturalização, a família deve seguir várias regras severas. As duas principais delas são:

  • Ter residência fixa na Grécia por pelo menos sete anos consecutivos ou cinco, se completados antes de 24/03/2010 (fonte)
  • Frequentar escolas gregas de maneira ininterrupta desde a primeira série até o momento em que a petição para naturalização for preenchida (fonte)

Obviamente, os irmãos Antetokoúnmpo preencheram esses requisitos rapidamente. Mas uma outra regra estabelecida por essa lei grega e também pela maioria dos países europeus é a seguinte:

  • Para solicitar a naturalização e preencher a petição, a pessoa, necessariamente, precisa ser um adulto (fonte).

Em outras palavras, é impossível por lei que um menor de idade ganhe sua naturalização. Giánnis completou 18 anos em dezembro de 2012 e poucos meses depois, em maio de 2013, seu processo de naturalização foi oficialmente concluído. Diante de tudo o que foi colocado nesta seção, podemos concluir que a naturalização de Giánnis era uma garantia pela lei grega, pois ele atendia a todos os critérios. Não foi “por causa” da possibilidade de ir para a NBA. O que a possibilidade de ir para a NBA pode, sim, ter causado, foi a aceleração desse processo. Exemplo disso foi que seu irmão mais velho, Thanásis, esperou por quase três anos entre completar 18 anos e finalizar seu processo (o que aconteceu no mesmo dia do de Giánnis).

Os irmãos Antetokoúnmpo escolheram a seleção grega

Ao oficialmente receber sua cidadania grega ao lado de Thanásis, Giánnis declarou, de maneira emocionada: “Hoje um sonho de uma vida inteira se tornou realidade e nós somos, oficialmente, cidadãos gregos. Nós já nos sentíamos gregos durante todos esses anos, tendo sido nascidos e criados aqui, tendo se formado em uma escola grega e tendo vivido nossa vida inteira aqui, em nossa pátria, Grécia”.

Giannis Antetokounmpo to Play for Greece at Eurobasket 2022

Naquele mesmo ano de 2013 ele pôde receber sua primeira convocação para representar a Grécia, na disputa do Campeonato Europeu Sub-20, disputado em julho, poucas semanas após o Draft da NBA. Para Giánnis, a seleção grega também era um objetivo, como declarou no mesmo dia de sua naturalização: “Nós agradecemos ao Estado Grego e a todos que contribuíram para a realização desse sonho [da naturalização]. Será uma honra se algum dia nós formos convocados para representar a seleção grega”.

E mesmo que servir a Grécia não fosse um sonho para ele, naquele momento, não existia sequer a possibilidade de que ele servisse a seleção nigeriana, uma vez que a família Adetokunbo também não conseguiu junto ao governo nigeriano que Giánnis fosse reconhecido como cidadão da Nigéria. Na verdade, o processo de aquisição da cidadania nigeriana de Giánnis só foi concluído em 2015.

Com Thanásis a coisa foi um pouco diferente. Em 2016, após três anos buscando também entrar na NBA através da D-League e da Summer League, o segundo irmão mais velho da família recebeu um convite para jogar pela seleção nigeriana, com a chance de disputar os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Ele, porém, recusou o convite por querer defender a Grécia, o que aconteceu no Pré-Olímpico daquele mesmo ano.

O amor pela Grécia e pela Nigéria caminham de mãos dadas

Com a ascensão meteórica de Giánnis, começou essa disputa entre gregos e nigerianos sobre de onde realmente ele é. Como acontece com praticamente todos os imigrantes africanos, em praticamente todos os países europeus, ele e sua família sofreram racismo por parte de algumas pessoas. Mesmo assim, isso não tirou deles o orgulho de serem gregos. Os irmãos cresceram na cultura grega, participando de civilidades no país, como os desfiles de independência; serviram o exército grego; e até hoje vivem lá, para onde retornam ao fim de cada temporada no basquete.

Giannis Antetokounmpo reminds the world that he is Nigerian with outfit to  All-Star Game | Pulse Nigeria
Giánnis representando a Nigéria com um moletom promocional durante o All-Star Game da NBA de 2022

Mas, apesar de não ter conhecido a Nigéria até 2015, Giánnis sempre falou com muito orgulho sobre sua herança nigeriana. “Eu cresci em um lar nigeriano. Obviamente, nasci na Grécia e estudei na Grécia. Mas no final do dia, quando eu ia para casa, não havia cultura grega. É a cultura nigeriana direta. É sobre disciplina, é sobre respeitar os mais velhos, ter moral”, explicou ele certa vez.

Ele também já declarou que, da mesma forma que ele busca se conectar com as raízes nigerianas de seus pais, ele espera que seus filhos façam o mesmo com as suas raízes gregas. “Eu quero ver de onde vem minha família, onde minha mãe foi criada, ver minha família, ver onde meu pai foi criado. Isso é muito importante. Espero que meus filhos possam fazer o mesmo por mim. Obviamente, terei filhos que vão crescer nos EUA, mas um dia espero que eles possam voltar [para a Grécia] e visitar e ver onde cresci, o parquinho onde eu brincava”, disse.

Em suma, Giánnis não é de um e nem de outro. É de ambos. “Não importa o que as pessoas acreditam por causa do meu apelido [“The Greek Freak”, traduzido como algo do tipo “O Monstro Grego”]. Houve muitas vezes, quando eu estava na Grécia, em que as pessoas diziam: ‘Você não é grego. Você é nigeriano porque é negro.’ Mas houve muitas vezes em que foi o oposto, onde as pessoas diziam: ‘Você não é africano. Você é grego. Você é ‘The Greek Freak.’ Mas eu realmente não me importo com isso. No fundo, eu sei quem sou e de onde venho. Isso é tudo o que importa para mim”, afirmou.

Opinião: negar a identidade grega de Giánnis é negar um sonho conquistado por sua família

Lembro-me que quando a França foi campeã da Copa do Mundo de futebol, em 2018, uma polêmica parecida a essa veio à tona. Quando algumas pessoas começaram a dizer que a França ganhou a Copa com um “time de imigrantes”, outras várias pessoas saíram em contraposição e disseram: “não! São franceses!”.

Quando vejo pessoas tentando menosprezar a identidade grega dos Antetokoúnmpos, esse episódio me vem imediatamente à mente. Os episódios de racismo sofridos por eles, infelizmente, não é uma exclusividade deles e nem uma exclusividade da Grécia. Imigrantes de várias partes do mundo sofrem racismo em praticamente todos os países da Europa. Mas como os Antetokoúnmpos mesmos disseram, conquistar a cidadania grega foi um sonho realizado e eles são, sim, completamente gregos, como qualquer outro cidadão grego e isso não deve ser apagado.

Da mesma forma que os atletas filhos de imigrantes que levaram a França ao título mundial no futebol são completamente franceses, a família Antetokoúnmpo também é completamente grega, mas sem jamais se desconectar das raízes nigerianas.

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