Para início de conversa, o título deste texto é uma mera opinião e ninguém é obrigado a concordar com ela. Por curiosidade e porque neste site um dos nossos passatempos preferidos é contar histórias, resolvemos contar para vocês sobre esse jogo, que com certeza foi um dos momentos mais bonitos da história do esporte em geral, não só do basquete.
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O contexto daquela Euroliga e a minha experiência pessoal
Primeiro, deixe-me contar uma perspectiva pessoal sobre o que esse jogo e essa temporada representam. O ano era 2011 e até ali, eu havia acompanhado o basquete europeu de maneira apenas superficial. No nível de clubes, um jogo ou outro a cada ano, apesar de já ter acompanhado de perto, no nível de seleções, os três EuroBaskets anteriores. Até aquela época, eu só tinha olhos para a NBA. Mas naquele ano, eu recebi uma grande oportunidade e comecei a cobrir o basquete europeu para o site Basketeria (que infelizmente encerrou suas atividades). E justamente naquele ano, algo aconteceu que me fez mergulhar de cabeça na maior liga do basquete europeu.
No mês de julho, a NBA entrou em uma paralisação (o chamado “Lockdown”) por causa de uma disputa entre a liga, os donos das franquias e os jogadores para estabelecer o novo acordo coletivo (CBA). A “greve” dos jogadores durou até dezembro, o que atrasou o início da temporada e a reduziu para 66 jogos.
Enquanto a maioria dos jogadores simplesmente esperou, vários deles decidiram jogar no exterior. Os nomes mais notáveis foram os de Andrei Kirilenko e Nenad Krstić (que foram ambos para o CSKA Moscou), Tony Parker (ASVEL) e Deron Williams (Beşiktaş, da Turquia, que não disputava a Euroliga). Foi também o ano em que Leandrinho Barbosa voltou ao Brasil temporariamente, em seu auge, defendendo o Flamengo. Assim, mesmo que muitos desses jogadores fossem voltar para a NBA ainda em dezembro, esses elementos foram o grande atrativo que me fez conhecer com detalhes a Euroliga e me apaixonar sem volta.
A temporada 2011-12 da Euroliga
O jogo ao qual me referi no início e ao qual esta postagem está sendo dedicada foi a grande final da temporada 2011-12 da Euroliga, daquele Final Four disputado na cidade de Istambul, na Turquia. Mas vamos falar brevemente sobre a temporada como um todo, para estabelecer ainda mais o contexto.
Os grandes favoritos para o título, como de costume, eram alguns poucos. Em especial, os dois últimos campeões europeus, Panathinaikos e Barcelona (de Marcelinho Huertas). O CSKA, é claro, também era um favorito natural, mas antes das chegadas de Kirilenko e Krstić o gigante russo talvez estivesse um degrau abaixo dos dois primeiros, no mesmo nível que o igualmente gigante Maccabi Tel Aviv.
Além da dupla oriunda da NBA, o CSKA também tinha um elenco muito forte. Nomes como o do armador sérvio Miloš Teodosić, chegando a seu auge, o veterano e condecorado ala lituano Ramūnas Šiškauskas (guarde este nome), além de Victor Khryapa e o ainda garoto Alexey Shved. Para a surpresa de um total de zero pessoas, esse esquadrão, comandado pela campanha de MVP de Kirilenko, foi um dos melhores times do campeonato. Logo de cara, eles passaram pela temporada regular invictos, batendo o Panathinaikos duas vezes. Foram 13 vitórias seguidas antes de conhecer uma derrota e, até chegar à final, eles somariam somente duas derrotas, contra 18 vitórias no total.
O outro grande time daquela temporada era o Barcelona, que, acredite ou não, fez uma temporada ainda mais impressionante. Antes de chegar ao Final Four, o clube espanhol teve uma campanha de 18 vitórias e somente uma derrota. O “rolo compressor” catalão era comandado pelo trio Huertas, Juan Carlos Navarro e o ala-pivô esloveno Erazem Lorbek, que fazia talvez a melhor temporada de sua carreira. Seria natural que esses dois times se encontrassem na final e decidissem o título, que seria o sétimo seguido a ficar com um dos dois ou o Panathinaikos. Não é mesmo? Mas uma surpresa muito agradável para quem gosta de esportes (talvez não tanto para os torcedores desses dois times) estava por vir naquele Final Four.
O “Davi” que derrubou os dois Golias
A comparação com o personagem bíblico Davi feita acima vem com muitas, muitas, muitas aspas, pois não quero que pensem que estou chamando o time em questão de pequeno. Estamos falando do gigante grego Olympiacos, que apesar de ter mais sucesso com seu time de futebol do que com o basquete, já acumulava ali sete títulos gregos e um da Euroliga. O problema é que eles não venciam nenhum dos dois troféus desde 1997, apesar de terem chegado à final europeia em 2010, caindo diante do Barcelona. Além do mais, eles passaram longe de ter feito uma temporada boa naquela Euroliga, então, quem em sã consciência apostaria neles para serem campeões?
Os dois grandes trunfos do clube grego eram o técnico sérvio Dušan “Duda” Ivković, que havia sido o treinador da equipe na Tríplice Coroa de 1997 e retornara em 2010, e o armador Vassilis Spanoulis, que de maneira polêmica trocou o maior rival, Panathinaikos, para ir receber uma fortuna no Olympiacos também em 2010. Estima-se que o contrato, de três anos, que ele assinou com o clube de Pireu foi no valor de € 7,2 milhões líquidos. A título de curiosidade, a transferência gerou rusgas entre o jogador e toda a organização do Panathinaikos, incluindo torcedores, que uma vez quase o agrediram invadindo a quadra em Atenas, e o desequilibrado ex-presidente do clube, que em 2015 chegou a ir atrás de Spanoulis nos vestiários para ameaçar a ele e sua família.
Além dos dois, naquele momento aquele time não contava com nenhuma estrela, individualmente falando, mas possuía vários ótimos “carregadores de piano”, que foram capazes de fazer o sistema do técnico Ivković dar certo. Um deles era o ala-pivô Georgios Printezis (guarde este nome), formado na base do clube, que voltava após duas temporadas no basquete espanhol. Em sua primeira passagem pelo Olympiacos (2001 a 2009), ele evoluiu de um garoto para uma peça importante da rotação do time, mas não se destacou o bastante para continuar na equipe. Agora, ele voltava com mais prestígio, apesar de ainda ser reserva do time. Mesmo sendo banco de Pero Antić, Printezis foi o segundo jogador mais eficiente daquela equipe na Euroliga, contribuindo com uma média de 11,3 PIR (Performance Index Rating) por jogo, atrás apenas dos 16,0 de Spanoulis. Nenhum outro jogador teve uma média maior que 9,7 por jogo.
Mas o encaixe desse time não foi imediato. Eram vários os novos jogadores na equipe, que também teve que se adaptar com a saída de quatro peças fundamentais da temporada anterior: Teodosić (foi para o CSKA), Theodoros Papaloukas (Maccabi Tel Aviv), Ioannis Bourousis (Olimpia Milano) e Radoslav “Rasho” Nesterović (aposentou-se). Assim, o Olympiacos não fez uma campanha boa antes das quartas-de-final. Na temporada regular, venceu seis dos dez jogos em um grupo relativamente fácil, terminando em segundo lugar. No Top 16, venceu três e perdeu outras três, duas destas para o CSKA, sendo a partida de Moscou uma “surra”, por 32 pontos de diferença. Mas apesar de medíocre, a campanha foi o suficiente para avançar para as quartas-de-final, onde o time conseguiu eliminar a forte Montepaschi Siena, então atual pentacampeã italiana, por 3 a 1 na série. Com seu forte jogo coletivo, o Olympiacos alcançava o Final Four de maneira inimaginável, mostrando a eficiência que gigantes como Real Madrid, Olimpia Milano e Maccabi Tel Aviv não tiveram naquele ano.
O improvável Final Four
Avançando para o quadrangular final, o Olympiacos teria pela frente o embalado Barcelona, que não sabia o que era uma derrota na Euroliga havia quase cinco meses, vindo de dez vitórias seguidas. Seu algoz da final de 2010 era amplo favorito, mas os Vermelhos não tremeram e com uma defesa muito forte, lideraram o placar durante quase todo o jogo (assista ao jogo completo aqui), ainda que por poucos pontos, e selaram a vitória histórica nos últimos segundos, por 68 a 64. Spanoulis foi o grande destaque individual, sendo o cestinha do jogo com 21 pontos.
Na outra semifinal, o CSKA passou aperto contra o então atual campeão Panathinaikos, que liderou pela maior parte do jogo, chegando a abrir 14 pontos no primeiro tempo. Mas os russos não se entregaram e travaram uma épica batalha no segundo tempo, prevalecendo no fim com o placar de 66 a 64, ainda que com alguns lances bastante polêmicos da arbitragem, inclusive no lance que gerou a cesta que deu a liderança em definitivo ao CSKA (veja os melhores momentos ou o jogo completo). Kirilenko foi o homem do jogo, com 17 pontos, 9 rebotes e 4 tocos, para 25 de PIR.
A grande final
Finalmente chegamos ao jogo que motivou este artigo. Ao fim do texto, vocês mesmos podem ver tanto os melhores momentos, quanto o jogo completo, que estão incorporados. A história desta partida é digna de um filme. Os dois times começaram o jogo mostrando sua melhor característica: a forte defesa. O primeiro quarto, por exemplo, terminou com um placar de 10 a 7 para os russos e, ao fim do primeiro tempo, o placar era de apenas 34 a 20 para o CSKA. Mas o favorito ao título conseguiu se desgarrar fazendo um ótimo terceiro quarto, onde chegou a estar liderando por 19 pontos de diferença, 53 a 34, com 2:04 minutos para o fim do quarto.
E foi exatamente nesses dois minutos que o Olympiacos iniciou sua virada histórica. Um lance livre de Kostas Sloukas, uma bandeja de Printezis (seus primeiros pontos no jogo) e uma cesta de três de Vangelis Mantzaris cortaram para 13 pontos a vantagem russa entrando no último quarto. A defesa de Ivković foi monstruosa nos primeiros minutos do período derradeiro, permitindo ao Olympiacos fazer 8 a 0 e definitivamente se recolocar no jogo. Mas o CSKA acordou com o susto e, ainda que não tenha conseguido reabrir uma vantagem confortável, pelo menos conseguiu manter uma pequena dianteira de cerca de cinco pontos durante quase todo o período. Mas o espírito dos jogadores do Olympiacos queria mais aquela vitória. Era possível notar isso com a vibração após cada cesta.
A “raça” dos jogadores do Olympiacos foi impressionante e eles conseguiram trazer a diferença para somente um ponto, após um arremesso debaixo da cesta de Printezis e dois lances livres de Kostas Papanikolaou, deixando o placar em 61 a 60 para o CSKA a 10 segundos do fim. Os gregos também contaram com a sorte de Teodosić ter errado um lance livre segundos antes. Após pedido de tempo, o Olympiacos fez falta rápida em no experiente Šiškauskas, levando-o para a linha de lance livre com 9,7 segundos no relógio. O bicampeão europeu e ex-MVP da Euroliga, para a surpresa de todos, errou os dois lances livres e abriu a porta para o milagre, o qual eu simplesmente vou deixar vocês assistirem, narrado em seis idiomas diferentes.
P.S.1: notem o choro na voz do comentarista grego, ao fim do jogo, na primeira narração;
P.S.2: a última narração, em italiano, é de arrepiar.
Os melhores momentos
O jogo completo