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Desde a primeira temporada da Euroliga, que antes da década de 1990 tinha o nome de Copa dos Campeões Europeus da FIBA, clubes israelenses fizeram parte da competição. Durante toda a existência da Euroliga da FIBA, o campeão israelense era sempre um dos 23 campeões nacionais e tentar a sorte no grande palco europeu. Mas nenhum deles jamais havia conseguido sequer alcançar as semifinais da competição mais importante do continente. Foi na década de 1970 que isso começaria a mudar.
O Maccabi Tel Aviv, clube que existe desde antes da fundação do próprio Estado de Israel (o clube esportivo foi fundado em 1906 e o departamento de basquete em 1932), foi logo de cara o time mais vitorioso dos primeiros anos do campeonato israelense. A competição foi disputada pela primeira vez na temporada 1953-54 e os Amarelos levaram para casa os cinco primeiros troféus nacionais. Mas o clube e o basquete israelense como um todo seriam revolucionados com a chegada de uma estrela do basquete americano, alguns anos mais tarde.
O homem que revolucionou o Maccabi e o basquete israelense
Judeu nativo do estado de Nova Jérsei, nos EUA, Talbot “Tal” Brody brilhou com sua equipe de ensino médio no fim da década de 1950 e início da de 1960. Mais de 40 universidades ofereceram bolsas de estudo para o garoto, que acabou optando por defender a Universidade de Illinois. Calouros não eram permitidos defender times esportivos das universidades naqueles tempos, fazendo com que Brody pudesse jogar apenas a partir de seu segundo ano, na temporada 1962-63. Em seu último ano, ele teve médias de 19,3 pontos por jogo e foi um dos eleitos para o melhor time da conferência Big Ten.
Brody era um talento indiscutível e foi selecionado com a 12ª escolha do Draft da NBA de maio de 1965, pelo Baltimore Bullets. O clube gostou tanto do que viu do armador em seu rookie camp em junho que até alugou um apartamento na cidade para ele. Mas em agosto daquele mesmo ano, Brody faria uma escolha que mudaria o curso de sua carreira. Ele decidiu defender a seleção americana nas “Macabíadas”, uma espécie de Olimpíadas para atletas judeus do mundo todo, disputada a cada quatro anos. Ele liderou os EUA na conquista do ouro e chamou a atenção de treinadores do Maccabi e até de autoridades israelenses, como o Ministro dos Esportes, que começaram a tentar convencê-lo a ir jogar em Israel.
O jogador voltou para os EUA, onde ao invés de ingressar logo de cara na NBA, optou por voltar para a Universidade de Illinois, onde cursou seu mestrado. Em agosto de 1966, quando o Bullets já o havia trocado para o St. Louis Hawks, Brody comunicou uma grande decisão: inicialmente por apenas um ano, ele iria defender o Maccabi Tel Aviv, ao invés de jogar na NBA. Mas sua experiência na terra de seus antepassados foi tão empolgante que ele decidiu permanecer por mais um ano. Em sua primeira temporada em Israel, ele não só ajudou o Maccabi a conquistar mais um campeonato nacional, mas também a conseguir seu primeiro grande feito no basquete internacional. O time alcançou as finais da extinta Saporta Cup, competição de segundo nível no basquete europeu, a qual perdeu para a Varese (ITA). Brody teve uma média de 29,3 pontos por jogo no torneio, que estava em sua primeira edição.
Brody gostou tanto de Israel que escolheu ficar ali até mesmo durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, se voluntariando para ajudar o exército local em sua preparação física. Mas sua carreira foi majoritariamente interrompida em 1968, quando ele foi convocado para prestar serviço militar para os EUA durante a Guerra do Vietnã. Ele continuou defendendo a seleção americana militar de basquete e também a tradicional, com a qual disputou a Copa do Mundo de 1970. Neste ano, ele tornou-se cidadão israelense e prestou serviço militar ao país até 1973, além de também voltar a defender a camisa do Maccabi e passar a defender a seleção de Israel.
O domínio em Israel e a montagem do primeiro “grande Maccabi”
Falar da história de Brody é indispensável para se contar a história de sucesso do Maccabi. Ao atleta é creditada a mudança completa de filosofia e de tática do basquete israelense. Reza a lenda que após a chegada do jogador, o Maccabi abandonou a característica de um ritmo mais cadenciado e começou a acelerar o jogo, usando muito o contra-ataque. Juntamente ao então jovem treinador Ralph Klein, Brody ajudou a transformar o basquete em uma filosofia de vida e não mais um mero passatempo para os israelenses. Partiu do americano, inclusive, a idéia de dobrar a carga de treinamentos do time. E o resultado não poderia ter sido melhor: a partir de 1967, o Maccabi iniciou a impressionante seqüência de 25 títulos nacionais consecutivos!
Mas é claro que um grande jogador não seria o suficiente para que o projeto do Maccabi de conquistar a Euroliga desse certo. Quando o clube entrara em crise econômica no fim da década de 1960, um presidente interino foi escolhido, chamado Shimon Mizrahi. De interino ele não teria nada, pois foi efetivado no cargo após várias de suas estratégias começarem a dar certo. Para isso, ele começou a montar uma excelente equipe, trazendo atletas do basquete universitário dos EUA, que talvez não fossem ter uma boa chance por lá.
Destes, podemos destacar quatro, que se tornaram os pilares da equipe do técnico Klein. O pivô Eric Minkin, que defendeu a Universidade de Davidson por três anos e decidiu jogar em Israel em 1972, chegando a um acordo primeiramente com o Hapoel Ramat Gan. Mas o Maccabi fez uma oferta “por baixo dos panos” e o convenceu a defender o clube. O ala Jim Boatwright, que defendeu a universidade de Utah State a partir de 1971 e da qual foi o cestinha nos dois últimos anos, sendo eleito seu melhor atleta em 1974, ano em que aceitou uma proposta do Maccabi. O ala Lou Silver, que fechou com o clube em 1975, após defender a universidade de Harvard por três temporadas, sendo seu melhor jogador. Por fim, o pivô Aulcie Perry (foto acima), que foi jogar em Israel em 1976 após não ter encontrado sucesso na ABA (American Basketball Association, a extinta concorrente da NBA) e em outras ligas secundárias dos EUA.
Mas o melhor jogador que sairia daquela geração do Maccabi foi uma “prata da casa”. Formado nas categorias de base do clube, onde chegou aos 11 anos de idade, o ala-armador Mickey “Miki” Berkowitz é considerado por muitos o maior jogador israelense da história e, ainda que jovem, ele seria uma das peças mais importantes daquela equipe. Mas isso levaria algum tempo, pois ele estreou no time principal em 1971, aos 17 anos, e não teve muito espaço nos primeiros anos. Inclusive, na temporada 1975-76 ele deixou Israel e tentou jogar no basquete universitário dos EUA, sem muito sucesso. No meio de 1976, aos 22 anos, ele voltaria ao Maccabi e finalmente veria sua importância no clube começar a aumentar. Hoje, ele é membro do Hall da Fama da FIBA e seu currículo inclui o maior sucesso da seleção israelense, a prata no EuroBasket de 1979, torneio do qual ele foi eleito o MVP, após anotar 22,6 pontos por jogo.
A conquista da Euroliga de 1977, talvez o título mais “político” da história
Dominar o campeonato nacional já não parecia ser mais suficiente. Mas será que o projeto do presidente Mizrahi era bom o bastante para conquistar a Europa? Até aquele momento, nenhum clube israelense havia conseguido sequer passar da primeira fase da Euroliga. Nem nas competições européias de segundo e terceiro níveis (Copa Saporta e Copa Korać, respectivamente) os clubes haviam obtido sucesso, com o vice-campeonato do Maccabi na Saporta de 1966-67 sendo o maior deles. Com o capitão Brody caminhando para completar 34 anos de idade, temia-se que esse sucesso europeu poderia não vir.
Seria na temporada 1976-77 que a história finalmente conheceria o primeiro grande êxito do Maccabi, no nível europeu. Mas o caminho não seria fácil e não só por fatores dentro de quadra. O Maccabi enfrentou dificuldades naquela campanha (e também algumas facilidades, como veremos à frente) em função das tensões políticas daquele período, que viam Israel no centro de várias delas. O país era um dos personagens coadjuvantes da Guerra Fria, entre EUA e União Soviética, e os clubes de basquete eram obrigados a acatar decisões de seus governos baseadas em preceitos diplomáticos daquele período.
A União Soviética havia cortado relações diplomáticas com Israel em 1953, mesmo tendo sido um dos países que apoiou sua criação, em 1947. Por recusar-se a alinhar-se com a política soviética e pender mais para o lado do governo estadunidense, Israel viu as tensões com o país socialista crescerem na década de 1950. Na U.R.S.S. e em seus países aliados, diversas políticas anti-Israel e antissemitas foram adotadas, como a execução de vários judeus nos chamados “Tribunais de Praga”. Em retaliação, a embaixada da Tchecoslováquia (aliada dos soviéticos) sofreu um atentado no início de 1953, quando uma granada foi jogada no local. Isso foi o estopim que fez a U.R.S.S. romper relações com Israel e gerou anos de tensões. A União Soviética se aliou aos países do Oriente Médio que constantemente travaram guerras contra Israel nas décadas de 1960 e 1970, fornecendo-lhes material bélico e treinamento militar. Naquele período, o governo soviético também proibiu vários judeus do país de emigrar para Israel, o que gerou protestos em várias partes do mundo.
Todos esses elementos iriam influenciar a caminhada do Maccabi na Euroliga, mais especificamente na fase semifinal. O clube conseguiu passar com grandes méritos da primeira fase, onde inclusive desbancou a forte campeã italiana Virtus Bologna. Na primeira fase, o time israelense perdeu somente uma das seis partidas, o jogo de volta contra os italianos em Bolonha, quando já estavam classificados para a semifinal. O primeiro colocado de cada um dos seis grupos avançou para a “fase semifinal em grupos”, onde esses seis clubes se enfrentariam em jogos de ida e volta. Os dois primeiros colocados nesta fase seriam os dois finalistas, disputando o título em jogo único.
Foi justamente nesta fase que as tensões políticas fizeram toda a diferença. Dois dos semifinalistas eram o CSKA Moscou, da U.R.S.S., e o Spartak-Zbrojovka Brno (hoje chamado BC Brno), da Tchecoslováquia, duas nações com relações diplomáticas inexistentes com Israel. Por isso, a mando do governo soviético, os dois clubes se recusaram a ir jogar em Tel Aviv e também proibiram o Maccabi de entrar em seus países. Assim, nas partidas como mandantes desses dois times contra o Maccabi, eles foram declarados perdedores. Já nas duas em que o Maccabi seria o mandante, o clube foi obrigado a aceitar a mudança de local estipulada pela FIBA e os dois jogos foram disputados em pequenas cidades da Bélgica, em ginásios minúsculos (o ginásio da partida contra o CSKA, por exemplo, tinha capacidade para 400 torcedores). Mas para a surpresa de todos, os dois jogos ficaram completamente lotados de torcedores do Maccabi, a maioria das comunidades judaicas locais, que se mobilizou para apoiar o clube.
Muitos dizem que o triunfo sobre o CSKA (assista ao jogo completo aqui), que na época era o time do exército Vermelho Soviético, foi um marco não apenas para o clube, mas para Israel, pois foi um dos elementos que ajudou grandemente a forjar a identidade nacional israelense. Foi após essa vitória que Brody deu sua famosa entrevista, em que disse “estamos no mapa! E vamos ficar no mapa! Não só nos esportes, mas em tudo”. Estima-se que mais de 150 mil pessoas tomaram as ruas de Tel Aviv naquela noite, em comemoração.
Ao fim desta fase, as quatro vitórias acumuladas contra os soviéticos e os tchecos foram o grande diferencial para o time. Elas compensaram as duas derrotas sofridas para a então atual bicampeã Varese, a derrota na Espanha para o Real Madrid e o tropeço diante dos belgas do Maes Pils. Era a hora de tentar o milagre maior, na grande final contra o super-time italiano, que além de tê-los derrotado sem maiores dificuldades na fase semifinal, disputava sua sétima final de Euroliga consecutiva e havia faturado cinco troféus naquela década (leia mais sobre essa equipe aqui).
A grande final também foi um momento carregado de tensão política. A final daquela temporada seria disputada em Belgrado, capital da antiga Iugoslávia. O país, que também vivia um regime socialista, não mantinha relações com Israel. O avião que trouxe o Maccabi para a disputa daquela partida foi a primeira aeronave israelense da história a ser autorizada a pousar na Iugoslávia. Naturalmente, outras aeronaves receberam autorizações especiais naqueles dias para trazer os torcedores dos Amarelos. Em uma partida duríssima, acirrada desde o primeiro minuto, o Maccabi não se apequenou diante da gigante italiana e conseguiu a suada vitória nos segundos finais, por 78 a 77. Boatwright (26) e Berkowitz (17, foto acima) foram os destaques individuais do time (assista ao jogo completo aqui).
Uma história curiosa aconteceu no dia da final da Euroliga. O então Primeiro Ministro israelense, Yitzhak Rabin, decidiu renunciar ao cargo, após sua esposa se envolver em um escândalo de corrupção. Ele escolheu fazer o anúncio público de sua renúncia justamente no horário da partida do Maccabi. Mas a imprensa nacional pediu a ele que esperasse o fim do jogo para fazer seu comunicado. Quando a emissora estatal (na época, o único canal de televisão do país) terminou a transmissão do jogo, eles se prepararam para transmitir o anúncio do líder do Estado, mas ele, novamente, foi obrigado a esperar. O motivo? Nenhum cinegrafista foi encontrado, pois todos estavam nas ruas de Tel Aviv, filmando a comemoração dos torcedores!
A campanha macabita daquele ano foi tão marcante que ela gerou a criação de um documentário, do diretor Dani Menkin, que nos ajudou na com este texto. A produção teve participação de jogadores que fizeram parte daquele time e também dos ícones da NBA, David Stern e Bill Walton. Confira o trailer do documentário e seu site oficial:
https://www.youtube.com/watch?v=0xUGknkk-Yc
Após aquela vitória, estima-se que quase 200 mil israelenses tomaram as ruas de Tel Aviv, em comemoração do título, certamente o maior do esporte israelense como um todo. Cerca de 60 mil pessoas recepcionaram o avião dos campeões em Israel (foto abaixo).
O início de uma potência
O título de 1977 não foi por acaso. Ele foi apenas o primeiro de uma seqüência de seis campanhas consecutivas (de 1977 a 1982) em que o clube terminou entre os quatro melhores. Esse grupo – já sem Brody, aposentado em 1980 – venceria seu segundo título europeu na temporada 1980-81, derrotando a Virtus Bologna na grande final na França, por 80 a 79 (assista ao jogo completo aqui).
Alguns anos mais tarde, mais especificamente na segunda metade da década de 1980, a equipe conseguiu se renovar de maneira brilhante. Estrelas como os americanos Lee Johnson e Kevin Magee, e a estrela local Doron Jamchy ajudaram o time a terminar entre os quatro melhores colocados cinco vezes, entre 1985 e 1991, incluindo três finais seguidas (1987 a 1989), mas sem conseguir o título. Ainda que o jejum entre o título de 1981 e o próximo fosse durar 19 anos, ficou claro naquele momento que uma cultura vitoriosa no basquete havia sido plantada no Maccabi e ela dá frutos até hoje.
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